Os nascimentos ficaram-se nos 87 mil em 2018, já as concessões da nacionalidade portuguesa subiram praticamente aos 128 mil. E os dados de 2019 são na mesma proporção. Os portugueses são mais, mas deve-se aos estrangeiros e aos que vivem fora do país.
O número de nascimentos tem vindo a baixar, tendo estabilizado nos 86/87 mil nos últimos anos. Já o número de estrangeiros que pedem a nacionalidade portuguesa aumentou significativamente, sobretudo depois das últimas alterações à lei da nacionalidade (julho de 2018). Só no ano passado, 127 950 estrangeiros passaram a ter o Cartão de Cidadão português, numa média de 10 666 por mês. São quase mais 40 mil do que o número de bebés nascidos em Portugal em igual período e os últimos dados indicam que a proporção se irá manter em 2019. A posição relativa entre as nacionalidades concedidas e as crianças nascidas no país inverteu-se em 2013, ano em que passaram a ser mais os nacionais a pedido do que os nacionais de origem.
O gráfico que o DN publica inclui os imigrantes que residem legalmente no país há pelo menos cinco anos, os estrangeiros casados ou em união de facto com portugueses há três ou mais anos, os filhos de imigrantes que tenham completado um ciclo de estudos ou cujos pais aqui tenham residência legal há pelo menos cinco anos, mas também os filhos e bisnetos de portugueses nascidos no estrangeiro. Somam-se os descendentes de judeus sefarditas; os nascidos nos antigos territórios portugueses da Índia (Goa, Damão e Diu) ou em Macau até à sua reintegração na China e, por esta via, os seus descendentes; as crianças adotadas por portugueses; os que não têm nacionalidade ou que tenham perdido a portuguesa, por exemplo, quem teve de optar pela nacionalidade de um país que não permite a dupla nacionalidade. E são cada vez mais os estrangeiros a quererem ser nacionais de Portugal. 174 624 o ano passado e muitos destes pedidos transitaram para 2019.
Portugal não só permite mais do que uma nacionalidade como, uma vez dada, esta não é retirada, como pode acontecer em França. Em geral, a Europa permite a dupla nacionalidade, com exceção de alguns países do Leste, como a Ucrânia. Espanha e Áustria impõem restrições aos naturais de certos terceiros.
Mais de cinco mil têm pais estrangeiros
No ano passado, nasceram 87 020 crianças no país, sendo que 5369 têm ambos os pais de nacionalidade estrangeira e alguns desses têm logo a nacionalidade portuguesa (de origem) desde as últimas alterações; basta que um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos dois anos ou que aqui tenha nascido.
“Nasce menos gente no país e as possibilidades de atribuição da nacionalidade são hoje mais amplas, é normal que haja mais pessoas a obter a nacionalidade portuguesa. Acresce que há 2,5 milhões de portugueses a viver no estrangeiro. O potencial de portugueses a viver fora do país é amplamente alargado com as naturalizações e aquisições”, começa por explicar o geógrafo Jorge Malheiros, especializado nas migrações. Mas, sublinha, “uma parte são formalmente cidadãos portugueses mas não residem em Portugal. O seu envolvimento com o país não acontece no imediato, cria é a possibilidade de mais facilmente passarem a residir em Portugal”.
E não abre a porta a oportunismos? “Pode haver abusos, mas é uma percentagem pequena e o princípio é justo. Para o imigrante, a obtenção da nacionalidade traduz duas coisas: um lado identitário e um lado funcional, simplifica a vida das pessoas. Sendo nacional, as possibilidades alargam-se, nomeadamente no acesso aos serviços e na participação política. Para os emigrantes, por outro lado, é justo que os filhos tenham a nacionalidade portuguesa”, defende Jorge Malheiros. Uma realidade que para o geógrafo é consensual, como para o sociólogo Pedro Góis (ver entrevista). Malheiros considera que o desporto é um barómetro e a demonstração das duas situações. A seleção de futebol tem filhos de estrangeiros nascidos em Portugal e filhos de portugueses nascidos lá fora.
Brasileiros à frente nas naturalizações
Os estrangeiros naturalizados portugueses em 2018 (imigrantes residentes) são oriundos sobretudo do Brasil, de Cabo Verde, da Ucrânia, da Guiné-Bissau e de Angola. Quatro países de língua oficial portuguesa e um país europeu que liderou a 2.ª vaga de imigrantes, a partir de 2000.
A presidente da Casa do Brasil, Cyntia de Paula, sente diariamente o aumento de pedidos de nacionalidade de conterrâneos. Até porque, justifica, há imigrantes que esperam anos para obter uma autorização de residência, pessoas que entregaram a “manifestação de interesse” há mais de ano e meio e ainda não lhes marcaram a primeira entrevista.
“Somos a maior comunidade de imigrante em Portugal e o período para se requerer a nacionalidade diminuiu de seis para cinco anos, é natural que os números aumentem. Estamos a assistir a uma mudança de perfil dos imigrantes brasileiros, é mais variado e têm melhores qualificações; pessoas entre os 30 e tais e os 40 anos que vêm à procura de melhor qualidade de vida. Vêm também muitos estudantes para o ensino superior para fazer mestrados e douramentos. Há outro grupo interessante, pessoas ligadas às ciências sociais e humanas, ativistas dos direitos humanos e da LGBT e que, dada a situação política no país, a eleição de Bolsonaro para presidente, receiam o que vai acontecer”, descreve.
Chegados a Portugal, deparam-se com as dificuldades na habitação, os constrangimentos do Serviço de Estrangeiros e, quem vê que preenche os requisitos, pede a nacionalidade. Os consulados portugueses do Rio de Janeiro e São Paulo estão sobrecarregados, tanto que este último chegou a suspender a receção dos pedidos. Mas, atenção, alerta Cyntia de Paula, “a nacionalidade não nos imuniza, o preconceito mantém-se , basta abrir a boca”.
Os dados de 2019 indicam que se vão manter os valores elevados das nacionalidades concedidas, já ultrapassaram os 100 mil até 31 de outubro. E os nascimentos vão continuar abaixo dos 90 mil. Realizaram-se 70 714 testes do pezinho em igual período (há uma diferença dos nascimentos reais, uma vez que o teste é feito entre o 3.º e o 6.º dia do recém-nascido). Para Pedro Góis, estes números vão continuar a aumentar, já Jorge Malheiros prevê uma estabilização: “As obtenções da nacionalidade poderão não aumentar muito porque a emigração portuguesa está a diminuir. As naturalizações de descendentes, via casamento, os judeus sefarditas, ficarão mais ou menos estáveis. Pode acontecer haver mais crianças portuguesas, filhos de estrangeiros que aqui residam há pelo menos dois anos. E o valor da natalidade pode subir se houver uma política efetiva da natalidade, que terá de ir além das políticas existentes”, argumenta.
Um estudo comparativo da UE, (Acquisition and loss of citizenship in EU Member States) indica que Portugal está entre os 12 países que menos anos de residência exigem para a atribuição da nacionalidade, cinco. Só a Polónia pede menos tempo (três anos), os restantes exigem seis ou mais anos.
A maioria dos nascidos na Europa adquire a nacionalidade pela via dos pais (jus sanguinies), sendo a exigência, fora estes casos, mais comum a residência legal de pelo menos um progenitor antes do nascimento. É o caso da Bélgica, Alemanha, Irlanda, Portugal e Reino Unido. Em sete países pode-se adquire a nacionalidade automática se um dos pais já ali nasceu (duplo jus solis). Nestes casos, é automática em França, Luxemburgo, Portugal e Espanha, condicionada na Bélgica e Grécia.
“Meio milhão naturalizou-se nos últimos 10 anos”
Pedro Góis
Sociológo Migrações/U. Coimbra
Já são mais os cidadãos a obter a nacionalidade portuguesa do que os nascimentos no país, porquê?
Os números do Observatório das Migrações, a apresentar em breve, indicam que, entre 2008 e 2018, meio milhão de estrangeiros que residiam em Portugal obtiveram a nacionalidade portuguesa, significa que se todos continuassem em Portugal, os números de imigrantes seriam 9,5 % da população e não 4,5 %, como indicam as estatísticas. Depois, há os descendentes portugueses (pais, avós), O que significa que os nacionais portugueses estão a aumentar não pela via dos nascimentos mas sobretudo pela via da naturalização.
Mais 32,7% de 2017 para 2018 e os números mantém-se elevados.
Há, ainda, o efeito dos judeus sefarditas, os filhos de portugueses nascidos em Londres, os descendentes de portugueses na índia e em Macau, na Venezuela, no Brasil, na África do Sul, etc. A tendência a curto prazo é para aumentar. Há muitas pendências nos consulados por via dos emigrantes e a imigração aumenta. Significa que estão a integrar-se e é a solução para a quebra de nascimentos.
Verifica-se no resto da Europa.
Não. As alterações em 2006, depois de 2015 e 2018, tornaram a lei portuguesa das mais generosas, enquanto que o sul da Europa vai no sentido inverso. A Itália tornou-se mais restritiva para os imigrantes, embora seja mais generosa para os emigrantes. Malta concede a nacionalidade através do investimento, na linha dos vistos gold para a residência em Portugal. A lei mudou em França e é possível retirar a nacionalidade francesa (seguidores do Daesh), o que não é possível em Portugal.
Também pode suscitar abusos.
É uma percentagem pequena e tenho dúvidas sobre esta matéria. A lei deve ser o mais generosa possível e lutar contra os aproveitamentos. Quem aqui reside, trabalha e desconta, não vejo porque é que os filhos não possam ser portugueses. As crianças não podem ser prejudicados pelos constrangimentos do SEF, como os atrasos.